quinta-feira, 21 de maio de 2009

Para quem serve uma manifestação pacífica?

Gustavo Amora*

Em meio aos escândalos que se sobrepõem uns aos outros cotidianamente, chamou a atenção do país para uma discussão entre dois Ministros do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. O que diferencia este episódio de outros “bate-bocas” entre autoridades ocorridos anteriormente é que as duras críticas do Ministro Joaquim Barbosa refletiam algo como um clamor popular. Se avaliarmos o histórico do Ministro Gilmar Mendes no judiciário brasileiro, fica fácil perceber que muito além daquela empáfia que tanto incomoda o cidadão comum, o Presidente da mais alta corte do país já havia ultrapassado suas atribuições há bastante tempo. Seja quando se aliou aos mandos e desmandos da política local do seu Estado de origem, ou quando defendeu grandes especuladores nacionais e internacionais, institucionalizando o que o Brasil tem de mais absurdo, que é a convivência de pessoas/categorias infra e supraconstitucionai s. Na visão de Plínio de Arruda Sampaio, enquanto a Constituição não faz sentido para 80 milhões de pobres e miseráveis (infraconstiticiona is), que não têm acesso aos direitos mínimos da cidadania como saúde, transporte, segurança e educação de qualidade, os ricos operadores do mercado financeiro podem se considerar pessoas acima das leis, isto é, muito mais do que ilegais, mas sim supraconstitucionai s, em virtude da sua condição social.

Cidadania pela metade em convivência com a cidadania que paira acima das leis não é novidade aqui na periferia do capitalismo, mas o advento trazido pelo atual Presidente do STF é a afirmação sob o ponto de vista democrático deste tipo de prática, algo que antes se dava apenas “por baixo dos panos”. Neste sentido, a resposta do Ministro Joaquim Barbosa pode ser lida como um manifesto republicano, que seria uma tentativa de devolver a ilegalidade ao seu espaço de origem, de banditismo, e afirmar que o país está buscando romper com os valores do corporativismo, clientelismo e patrimonialismo e não naturalizá-los. Talvez por isto, o protesto solitário de um Ministro igualmente solitário tenha sido o estopim para um reclame popular que culminou com uma manifestação pacífica realizada na praça dos três poderes do último dia 06/05/09.

O que surpreendeu neste caso, foi o silencio generalizado das autoridades e da mídia grande (poderia soar elogioso dizer grande mídia) sobre o ato. Pouco mais do que uma nota nos principais jornais, algumas delas com recursos de desqualificaçã o embutidos, como quando apresentaram o protesto como sendo uma manifestação de deputados do PSOL e estudantes da UnB. Não obstante, a postura do próprio Presidente do STF sobre a repercussão de suas atitudes é reflexo do momento que estamos vivendo. Ao afirmar que as manifestações eram naturais e que o qualificavam como figura pública democrática, já que o tribunal que ele preside havia autorizado manifestações naquela praça, o ministro se igualou a outra figura pública não menos rejeitada, George W. Bush, que em visita oficial ao Reino Unido se referiu a um protesto que reuniu milhões de pessoas em Londres contra a guerra do Iraque como sendo a grande justificativa para a invasão do Iraque, em suas palavras, eles estariam atacando o Iraque para garantir que a população daquele país também tivesse liberdade para no futuro ir às ruas protestar contra o seu próprio governo.

Guardadas as proporções, a constatação que se depreende é que o sistema político, do modo como está instituído atualmente, não oferece mecanismos institucionais para que se promova qualquer mudança importante na política. A resposta de alguns setores da academia para este dilema são teorias conservadoras de base neomaquiaveliana, que ao serem reinterpretadas para a realidade brasileira, buscam naturalizar o descompasso entre representantes e representados ao naturalizar as práticas personalistas como sendo um traço da cultura brasileira, algo como que uma tradição popular refletida fidedignamente em nossos representantes. Por outro lado, existe outro caminho, progressista, que busca compreender e reivindicar (ao mesmo tempo) uma alternativa para o Brasil, e repactuar suas relações com Estado e a sociedade a fim de firmar um compromisso republicano que coloque de lado as práticas e valores de um Estado patrimonialista.

Caso isto não ocorra, o que será possível fazer quando a população concluir que não existem de fato mecanismos de transformação dentro dos procedimentos democráticos convencionais, em outras palavras, o que fazer quando uma manifestação pacífica não for mais suficiente? Antes que isto ocorra, é necessário repactuar relações, perfis de conduta e os procedimentos democráticos. O momento pede que a classe política ouça a voz das ruas e se comprometa com uma nova postura. Se existe alguma janela dentro da democracia brasileira, ela está sendo aberta pela sociedade. O que pessoas como o Ministro Gilmar Mendes precisam fazer é sair às ruas.  

*Gustavo Amora é Mestre em Ciência Política pela Universidade de Brasília.

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